quarta-feira, 3 de novembro de 2010

XXV Panorama da Música Brasileira Atual


UM POUCO SOBRE O XXV PANORAMA DA MÚSICA BRASILEIRA ATUAL
Por José Eduardo Costa Silva

XXV Panorama da Música Brasileira Atual
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Salão Leopoldo Miguez – 18:30 de 23/10/2010
Concerto do GNU – Grupo Novo da UNIRIO
Coordenação: Marcos Vieira Lucas.
GNU – Grupo Novo da UNIRIO:
Vicente Alexim – Clarinetas
Maria Carolina Cavalcanti – Flautas
Pablo Panaro e Antonio Ziviani – Pianos
Ayran Nicodemo – Violino
Diana Maron – Soprano
Gabriel Lucena – Violino
Marcos Lucas – Direção Musical e Regência.


Refiro-me especificamente ao concerto do GNU – Grupo Novo da UNIRIO. Naquele quente final de tarde, alguma coisa me lembrava os Concertos do Arrigo Barnabé, lá dos finais da década de 80. Talvez o recorte incisivo que os músicos davam ao fraseado das músicas que tocavam, como se quisessem romper com o movimento do som, que insistia em circular no teto da Sala Leopoldo Miguez. Talvez a riqueza dos contrastes de dinâmica. Talvez ainda a linguagem preponderante da maioria das músicas que constituíam o concerto – uma linguagem modal insinuante, retórica, que, em alguns casos, beirava o atonalismo. Bem, falamos aqui de um panorama, de uma impressão geral. Nesse sentido, vale a comparação entre o que acontece hoje na música e nas artes plásticas: o retro virou tema de um presente que cada vez mais mostra a sua cara. Um presente que retira o futuro do passado, sem necessariamente citá-lo.

Na música Peba n.1 de Paulo Rios Filho uma inusitada combinação de referências temáticas, onde o contraponto weberniano instaurou uma espécie de moldura, no interior da qual o conhecido tema de Você não vale nada foi convertido em recurso de expressão. A propósito, a utilização de um sistema musical dentro de outro parece que está consolidada como um recurso de expressão da música desta nova geração de compositores brasileiros. Trata-se mesmo de um amadurecimento, de um domínio de linguagem, que remete às primeiras experiências do Nacionalismo Musical, que buscavam promover o diálogo entre o que se convencionou chamar de erudito e popular, universal e local. Isto pôde ser ouvido também no Antissalmo por um Desherói de Danilo Guanais. Esta música, tal como seu título sugere, instaurou um clima épico às avessas, através de sua estrutura dialógica, em que se alternaram lirismo e austeridade. A voz de Diana Maron mostrou isso muito bem, transitando com facilidade entre o arioso e o estilo recitativo.

Ciclo de Sérgio Roberto de Oliveira pareceu radicalizar a tendência do diálogo entre referências que havíamos percebido no início do concerto. O estilo inconfundível da música de Piazzola eclodiu em Ciclo como um cantochão – uma espécie de pedal que, ao prolongar-se em nossa imaginação, dava suporte a um belíssimo e emocionante dueto de clarineta (Vicente Alexim) e flauta (Maria Carolina Cavalcanti). Um dueto cujo contraponto evocava a caça e o ricercar renascentistas, fazendo emergir no presente seu enraizamento no futuro do passado. Já havíamos percebido essa capacidade de essencializar o passado em outras composições do Sérgio Roberto de Oliveira. Essa capacidade confirma-se cada vez mais como um traço estilístico deste compositor.

O Carnaval do Marcos Lucas é veneziano. Sua música trouxe à superfície a dor da música da poesia do Manoel Bandeira. Subversão pura, a essência do Carnaval. Uma obra consistente, onde a não-linguagem da música parece falar mais do que a linguagem da palavra, e a poesia da palavra parece tornar a música mais música. A mesma linha é perseguida pelos Cinco Poemas Miniatura de Alexandre Espinheira. Aqui uma vez mais a alternância entre arioso e recitativo revela a suficiência técnica do canto de Diana Maron.

Como em outras exposições da música do Prelúdio 21, a música de Neder Nassaro surge como a mais corporal de todas. Nada, Ponto, Nó é puro inconsciente em cena. Gestos obsessivos fazem com que o violão de Gabriel Lucena, o violoncelo de Glenda Valéria e a clarineta de Vicente Alexim compareçam com todo seu potencial retórico. Uma retórica onde o falar é o puro gesto da emergência de um som recôndito. Por fim as Elucubrações Inkz Op. 27 de Guilherme Bertissolo. Talvez colocada intencionalmente no fim do concerto – uma espécie de síntese das tendências que pudemos imediatamente reconhecer nesse panorama fenomenológico.

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