quarta-feira, 24 de novembro de 2010

POEMAS BRASILEIROS


Poemas Brasileiros de Wanderson Lopez

Por José Eduardo Costa Silva


A música de Poemas Brasileiros é a parte permanente de um dizer livre; por isso, ela é essência de poesia. É uma música livre, que dilui as fronteiras conceituais entre compositor e intérprete, erudito e popular e, sobretudo, entre o conceito de obra e livre expressão da musicalidade e do estilo de um grande músico. Nas treze faixas do CD, Wanderson Lopez intercala curtas e incisivas exposições temáticas a seções de inspirado improviso, como se cada uma delas participasse de um imprevisível rondó.

A música de Poemas Brasileiros fala a linguagem de um modalismo que foi liberado pela liberação máxima do uso da dissonância...E assim ela se constitui como um poema de timbres, dinâmica, agógica e afetos. Da profusão de intervalos de segundas menor provém o áspero; a paisagem de um sentimento agreste, que se insinua a partir de cada plissar seguro nas cordas de um violão de oito cordas e de um bandolim. E esses sons dialogam com outros de natureza mais lírica e melancólica, como são os sons da harmônica de Gabriel Rossi e dos acordeons de Pedro de Alcântara e Fabiano Araújo.

Em Poemas Brasileiros há algo de profundo no aparente do ingênuo; o desfile informal de um cuidado técnico, de um cuidado com a informação, que faz parecer que procedimentos de imitação contrapontística sejam tão triviais como o canto livre de um coletivo de pássaros.

Em Poemas Brasileiros os sons percutidos de Edu Szajnbrum (percussão) e Diego Frasson (Bateria) fazem mais do que sustentar padrões rítmicos...Eles incorporam sons poucos usuais ao espectro sonoro da música. Algo tão brasileiro, quanto contemporâneo. A propósito, são raros os CDs que trazem os nomes dos instrumentos de percussão. Como se o som desses instrumentos fossem um só. No encarte de Poemas Brasileiros todos os instrumentos de percussão são discriminados. Esse fato apenas atesta o cuidado com que o CD foi produzido, vale dizer para a música que nele está registrada com o auxílio técnico de Felipe Gama e André Dias, assim como para a riqueza e beleza do encarte, que contém ilustração do próprio Wanderson Lopez e fotos de Thaiz Forzza, André Dias e Ricardo Monteiro.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Crítica de Carlos A. Hang a Variações Freudianas 1


VARIAÇÕES FREUDIANAS 1: O SINTOMA

Análise crítica
por

Carlos Alberto HANG

Se a consolidação da arte teatral se deu na Grécia Antiga como forma de homenagear ao deus do vinho, Dionisio, que é o equivalente ao deus romano Baco, não poderia ter sido em local diferente o lançamento internacional da peça Variações Freudianas 1: O Sintoma, em Roma. E se temos uma cidade que é palco do maior festival de dança do mundo, uma das artes mais expressivas do corpo e da alma humana e ainda se temos um espaço de espetáculos que é batizado com o nome de um dos artistas mais consagrados internacionalmente pela sua expressividade contemporânea, a maior cidade de Santa Catarina, Joinville, e seu tradicional Teatro Juarez Machado, certeiramente foi escolhido como palco do lançamento nacional desta peça teatral, a qual vai além do campo dinâmico das artes cênicas, tocando e sendo tocado pela psique humana em sua forma constitutiva. Lançada internacionalmente e nacionalmente, Variações Freudianas 1: O Sintoma precisa ser assistida e incorporada pelo público, o qual deixa seu papel primário de mero espectador, para ser 1 com o espetáculo.


O sintoma, feito a Esfinge, amaldiçoa a criatura que se o faz detentor, decifrando-a ou devorando-a pouco a pouco nas margens periféricas e sombrias da mente humana. O Sintoma, impulsionado pelo recalcado e pelos elementos expurgados pelo dito das conveniências normativas do ser enquanto ser carente de si mesmo, representa o retorno do real, onde o não-dito se encontra vociferando com a força de um colossal. Freud localiza no sintoma a ação entre as representações recalcadas do desejo inconsciente e as exigências defensivas, a realização de uma fantasia de conteúdo sexual originárias das pulsões, sejam elas perversas, normais ou de caráter parcial. E graças demos a psicanálise, contradizendo o modelo cartesiano empregnado nas ciências médicas, pois ela não quer a eliminação do sintoma, mas a ele ser apresentada. Lacan vê no sintoma um significante do significado recalcado da consciência do sujeito, sendo assim, de acesso não possível de ocorrer por sua natureza peculiar. O sintoma, uma verdade que não tem irmandade gêmea com a significação em si mesma, deve ter sua manifestação permitida e, acolhida, como seta sinalizadora entre uma ação hic et nunc e outra que atua em reiterada contumásia.


O Diretor: numa relação simbiótica dramatúrgica entre o nomear textualmente e o atuar, encontra-se o homem, o ser, a extensão de si mesmo e do mundo, de seu mundo, de nosso mundo, de nós mesmos. É ele, que dispensa apresentações pois se apresente diante de sua obra viva, vivida e vivenciada e aplaudida. Com um texto que não nega o ontem, mas não deixa de persuadir a uma leitura sub specie aeternitatis.


A atriz: no ninho aquecido descansa o ovo fecundo da nova criatura e, da alma da artista, surge o deleite dos sentidos humanos, demasiado humanos alguns, como diria meu amado Niezsche. Sua presença è, sono, sei, siamo e siete. Ecco !!! A cortina não se abre, mas a artista já está lá, atuando no erro não errado, descortinando a verdade de quem com ela comunga o momento. É plena, é o próprio sintoma pulsante e pulsionante da obra.


O ator: lá vem ele, ou será que ele já foi? não percebe-se a ida diante da presença que insiste de ser mesmo depois de ter sido. Atua atuando e não é atoa que atordoa os atordoados sedentos do mais querer ver e se aturdir, O bis aqui não se faz necessário, pois o ator já se foi mas não se despediu das mentes inquietas do público. Bravo !!!


O músico: manejando com presteza impar sua caixa de ressonância de forma arredondada, que assemelha-se a uma gota de orvalho, mas às vezes à uma lágrima, seja ela desencadeada por felicidade ou por tristeza, mas enfim, a certa altura do espetáculo, onde a necessidade fisiológica da fome me acomete, lembrava-me ela uma pera viçosa. As vozes do espetáculo não se originaram apenas das cordas vocais dos seus atores, mas também e intensamente do alaúde que não queria deixar de se manifestar e é também por ele que vimos e sentimos os sintomas do eu e do tu e do nós.


A peça: pede-se permissão para iniciar sem início, numa iniciação que já havia iniciado sem permissão e todos se preenchem de comoção. Enfim estamos conscientemente no começo do já começado e, aliviados não erramos com o suposto erro do outro que não errou, mas provocou empatia em todos e, em alguns, distanciamento, noutros agonia e ainda em outros vilipêndio até a compreensão. Quando avisei que Freud estaria presente no evento muitos chalacearam minha pessoa, mas confirmaram que eu falara a verdade, pois a presença de Sigismund Schlomo Freud pode ser sentida pelos sentidos mais dispersos durante o espetáculo, em cada linha, dita e não-dita, em casa gesto e movimento atuado e esquecido. Alguns riram durante algumas partes, do espetáculo? não o sei, mas quiçá do reflexo da própria imagem projetada no espelho chamado encenação teatral. Sim, estávamos numa overdose de sim e não presentes naquele palco, nos movimentos dos artistas e nos sintomas que não queríamos que fossem tão nossos e tão vivos como ali presentes se apresentaram ser. Algum momento, feito túnel do tempo, viemos e nos colocar em 1909 e diante de Freud ao tratar da neurose obsessivo-compulsiva à luz da teoria psico-sexual do desenvolvimento humano. O "Homem dos Ratos" toma espaço e lugar... ratte ratte ratte... e o público graceja e ao mesmo tempo compreende. Permitam-me não me prolongar em pormenores textuais, pois esta peça é digna de ser vista e revista e vista ainda novamente... não desejo ir além do que me é permitido, pois não poderia anuir ser capaz de nomear cada momento, pois o momento é o daquele momento, e não será o mesmo ao assistirem à peça, pois cada um carrega em si as lamparinas da sua identidade manifesta e que irá prover o encontro e desencontro pessoal diante do visto e do que não desejará vir a ver. Assista ao espetáculo e ouse compreendê-lo, ou aos próprios sintomas meus e teus.


Pós cena: se já não bastasse as glórias dramatúrgicas apresentadas, após, o deleite foi com o que a psicanálise de debruça e se faz mestre: a fala. É hora do público falar e falar o já falado mas não compreendido ou o que é querido de se ouvir de novo. E o verbo grita de todos os lados da platéia, a qual questiona mas responde suas próprias questões, pois ousa se ouvir mais uma vez. A troca é recíproca, onde o distante e o perto se impõem como sinônimos possíveis. Onde o profissional e o leigo comungam suas questões, algumas ainda não elaboradas, mas sedentas de virem a ser tão humanas quanto foram desde a mais tenra idade de cada qual. A cortina do palco já havia se fechado, mas o espetáculo continuou... após, o músicos, a atriz, os atores e o diretor já não estão mais lá, e nem nós, mas as cenas insistem em permanecer em nossas mentes atuando sem cessar. Nem precisou, antes de iniciar ao espetáculo, de pedir para que "quebrassem às pernas", pois o espetáculo teve a assinatura do sucesso, pleno de gozo. PARABÉNS !!!



TEMA: VARIAÇÕES FREUDIANAS 1 : O SINTOMA

Cia Inconsciente em Cena (Rio de Janeiro/RJ)
Texto e Direção: Antonio Quinet
Musica: José Eduardo Costa Silva
Encenação: Regina Miranda begin_of_the_skype_highlighting end_of_the_skype_highlighting e Antonio Quinet
Elenco: Aline DeLuna e Ilya São Paulo
Luz: Luis Paulo Neném
Cenário: Aurora dos Campos
Figurino: Luiza Marcier
Produção Rio: André Romam
Produção Joinville: Luciano
Realização: Atos e Divâs Produções

Lçto Nacional: 16 de outubro, às 20h30
Local: Teatro Juarez Machado (Joinville/SC).


Carlos Alberto HANG
www.revistainverso.com.br
twitter @hangjornalista
ORKUT Carlos Alberto Hang (http://www.orkut.com.br/Main#Profile?rl=mp&uid=12179450314487666558)
MSN hangmodels@hotmail.com

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

XXV Panorama da Música Brasileira Atual


UM POUCO SOBRE O XXV PANORAMA DA MÚSICA BRASILEIRA ATUAL
Por José Eduardo Costa Silva

XXV Panorama da Música Brasileira Atual
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Salão Leopoldo Miguez – 18:30 de 23/10/2010
Concerto do GNU – Grupo Novo da UNIRIO
Coordenação: Marcos Vieira Lucas.
GNU – Grupo Novo da UNIRIO:
Vicente Alexim – Clarinetas
Maria Carolina Cavalcanti – Flautas
Pablo Panaro e Antonio Ziviani – Pianos
Ayran Nicodemo – Violino
Diana Maron – Soprano
Gabriel Lucena – Violino
Marcos Lucas – Direção Musical e Regência.


Refiro-me especificamente ao concerto do GNU – Grupo Novo da UNIRIO. Naquele quente final de tarde, alguma coisa me lembrava os Concertos do Arrigo Barnabé, lá dos finais da década de 80. Talvez o recorte incisivo que os músicos davam ao fraseado das músicas que tocavam, como se quisessem romper com o movimento do som, que insistia em circular no teto da Sala Leopoldo Miguez. Talvez a riqueza dos contrastes de dinâmica. Talvez ainda a linguagem preponderante da maioria das músicas que constituíam o concerto – uma linguagem modal insinuante, retórica, que, em alguns casos, beirava o atonalismo. Bem, falamos aqui de um panorama, de uma impressão geral. Nesse sentido, vale a comparação entre o que acontece hoje na música e nas artes plásticas: o retro virou tema de um presente que cada vez mais mostra a sua cara. Um presente que retira o futuro do passado, sem necessariamente citá-lo.

Na música Peba n.1 de Paulo Rios Filho uma inusitada combinação de referências temáticas, onde o contraponto weberniano instaurou uma espécie de moldura, no interior da qual o conhecido tema de Você não vale nada foi convertido em recurso de expressão. A propósito, a utilização de um sistema musical dentro de outro parece que está consolidada como um recurso de expressão da música desta nova geração de compositores brasileiros. Trata-se mesmo de um amadurecimento, de um domínio de linguagem, que remete às primeiras experiências do Nacionalismo Musical, que buscavam promover o diálogo entre o que se convencionou chamar de erudito e popular, universal e local. Isto pôde ser ouvido também no Antissalmo por um Desherói de Danilo Guanais. Esta música, tal como seu título sugere, instaurou um clima épico às avessas, através de sua estrutura dialógica, em que se alternaram lirismo e austeridade. A voz de Diana Maron mostrou isso muito bem, transitando com facilidade entre o arioso e o estilo recitativo.

Ciclo de Sérgio Roberto de Oliveira pareceu radicalizar a tendência do diálogo entre referências que havíamos percebido no início do concerto. O estilo inconfundível da música de Piazzola eclodiu em Ciclo como um cantochão – uma espécie de pedal que, ao prolongar-se em nossa imaginação, dava suporte a um belíssimo e emocionante dueto de clarineta (Vicente Alexim) e flauta (Maria Carolina Cavalcanti). Um dueto cujo contraponto evocava a caça e o ricercar renascentistas, fazendo emergir no presente seu enraizamento no futuro do passado. Já havíamos percebido essa capacidade de essencializar o passado em outras composições do Sérgio Roberto de Oliveira. Essa capacidade confirma-se cada vez mais como um traço estilístico deste compositor.

O Carnaval do Marcos Lucas é veneziano. Sua música trouxe à superfície a dor da música da poesia do Manoel Bandeira. Subversão pura, a essência do Carnaval. Uma obra consistente, onde a não-linguagem da música parece falar mais do que a linguagem da palavra, e a poesia da palavra parece tornar a música mais música. A mesma linha é perseguida pelos Cinco Poemas Miniatura de Alexandre Espinheira. Aqui uma vez mais a alternância entre arioso e recitativo revela a suficiência técnica do canto de Diana Maron.

Como em outras exposições da música do Prelúdio 21, a música de Neder Nassaro surge como a mais corporal de todas. Nada, Ponto, Nó é puro inconsciente em cena. Gestos obsessivos fazem com que o violão de Gabriel Lucena, o violoncelo de Glenda Valéria e a clarineta de Vicente Alexim compareçam com todo seu potencial retórico. Uma retórica onde o falar é o puro gesto da emergência de um som recôndito. Por fim as Elucubrações Inkz Op. 27 de Guilherme Bertissolo. Talvez colocada intencionalmente no fim do concerto – uma espécie de síntese das tendências que pudemos imediatamente reconhecer nesse panorama fenomenológico.