(A propósito do Concerto de Lançamento do CD Sem Espera – Sala Vera Janacópulos – UNIRIO – RJ – 05/03/2010)
Por José Eduardo Costa Silva
Está no Crátilo a tese que ainda hoje influencia lingüistas e filósofos da linguagem: “os nomes são dados às coisas por convenção de linguagem”. Para o relativismo pós-moderno esta tese caiu do céu, afinal de que modo objetivamente comprovável um registro fonético pode corresponder a algo que ele nomeia ou faz referência simbólica?
Por José Eduardo Costa Silva
Está no Crátilo a tese que ainda hoje influencia lingüistas e filósofos da linguagem: “os nomes são dados às coisas por convenção de linguagem”. Para o relativismo pós-moderno esta tese caiu do céu, afinal de que modo objetivamente comprovável um registro fonético pode corresponder a algo que ele nomeia ou faz referência simbólica?
Mas ao ouvir a música de Sérgio R. de Oliveira, ouso pensar que às vezes há uma exata e real adequação entre o nome e a coisa. Para tanto, duas condições devem ser satisfeitas: o nome há de ser proveniente do coração daquele que nomeia, e a coisa nomeada deve estar lá, justamente no coração. Assim, o coração do compositor é um lugar, onde a música e o nome da música habitam em perfeita vizinhança.
Seguindo o programa, naquela quente sala de concertos, leio: TRIO PARA FLAUTAS No 1 – I- Apresentação. Assim, o concerto inicia-se e de bom grado com uma apresentação! Estariam os músicos apresentando a música ou a música apresentando os músicos? Generosamente, Maria Carolina Cavalcanti, Rudi Garrido, Ana Paula Cruz, os músicos componentes do Trio Rónai, começam a tocar. Cada um à sua vez, com seus gestos próprios e sons personalizados, apresentam a música e deixam-se apresentar por ela. Os primeiros sons curtos e enérgicos das flautas estavam devidamente traduzidos no repertório gestual dos músicos; o concerto realmente começou quente, tão quente quanto a sala. A seguir, em contraste com os sons curtos, notas alongadas, tão alongadas quanto os corpos dos músicos que as acompanhavam. Prenunciava-se ali o que foi a característica geral do concerto: uma perfeita simbiose entre música, nome da música e músicos. E esta simbiose foi devidamente avalizada pelo produto decorrente: a emoção!
Após a apresentação, os outros dois movimentos do TRIO PARA FLAUTAS No 1, Canção e Fuga. Literalmente isso: canção e fuga – sem deixar dúvidas quanto ao esquema formal escolhido pelo compositor, e, sobretudo, para uma das características de seu estilo: o equilíbrio entre o que ainda é contemporâneo e o tradicional. Na música de Sérgio R. de Oliveira, a vagueza da melodia construída a partir de uma harmonia liberada, isto é, rica pelo uso livre das dissonâncias, está devidamente sustentada pela relação segura com os recursos contrapontísticos do dito repertório canônico. E mais uma vez a música não desmentiu o título: ouvi uma canção e uma fuga, bem modernas, diga-se de passagem.
Em linhas gerais, o DUO PARA FLAUTAS trouxe características da obra anterior. Porém, nele pronunciaram mais duas características do estilo de Sérgio R. de Oliveira: a exploração completa do instrumento e o cheiro nacionalista, digo cheiro, não mera citação de estruturas rítmicas e melódicas do folclore nacional. Foi emocionante reconhecer-me nesse cheiro e, mais emocionante ainda, deixar-me assustar pelos batimentos dissonantes das notas agudas das flautas de Rudi e Ana Paula, que entreolhavam-se como se brincassem com aqueles batimentos.
A FANTASIA PARA FLAUTA SOLO foi anunciada por Sérgio R. de Oliveira. Com a voz embargada, ele chamou ao palco sua mestra (Doutora) Laura Rònai. A interpretação de Laura revelou algo da formação estilística de Sérgio: o apego à retoricidade da música, algo que os músicos habituados à música antiga sabem muito bem. Laura sorria para a partitura, demonstrando prazer ao empregar farto repertório de recursos de dinâmica e agógica. Mais uma vez, ritmos enérgicos eram seguidos e contrastados com trechos de puro lirismo, mais contrastes entre frases curtas e longas...impressionismo, barroco e nacionalismo ao mesmo tempo, resultado: emoção!
12 BAGATELAS, em minha opinião, constituíram o ápice do concerto. Nestas obras Sérgio R. de Oliveira revelou toda a sua capacidade de expressar com a música afetos e idéias abstratas. Não há relação objetiva entre palavra e coisa? Aqui tango é tango, valsa é valsa, acorde é acorde etc... E perda? Perda é um nó na garganta! Um nó trazido por um sopro profundo ao contrário, um suspiro de uma nota longa que parece ter alongado o corpo da Maria Carolina. Afinal, até o momento nunca tinha ouvido música expressar uma conjunção. Certamente não há relação entre palavra e coisa, posto que fonemas agrupados não compartilham do mesmo universo físico das coisas. Mas a música de Sérgio ensina que para determinadas coisas cabe apenas uma palavra correspondente, apenas uma. E uma tal certeza é também fonte de emoção.
TRIO PARA FLAUTAS 2: Anacruzes para Ana Cruz, Coral da Carol, Rondó de Rudi – uma música para cada músico, uma só música para todos os músicos – a música generosa de um compositor que transforma um grupo de música câmera em um grupo de solistas, todos tocando junto e na ordem.
Bis! SEM ESPERA – obra que dá nome ao título do Concerto e do CD. Sem espera, o compositor Sérgio R. de Oliveira parece não preocupar-se com o tempo. É o que deixa antever sua música madura, equilibrada, consciente e inconsciente, sobretudo, emocionante! A música de Sérgio R. de Oliveira contradiz aquela opinião reacionária de que música contemporânea não emociona. Porém ela é facilmente absolvida em um plano intelectivo, o que permite-nos concordar com seus títulos e duvidar da célebre tese de Platão.
Rio de Janeiro, 06 de Março de 2010
Adorei a idéia do blog!
ResponderExcluirSalve José Eduardo!
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa!Um lugar para discutir música é sempre bem vindo.
Vamos em frente.
Um grande abraço
Olá, José Eduardo! Meu nome é Julio Cesar da Costa,sou ecritor, teatrólo, poeta e músico. Também adoro filosofia. Gosto de estudar os mistérios ocultos e me sinto dicípulo de Paracelso. Acho que a vida é uma escola extremamente oportuna para quem deseja enfrentar os seus medos, vencer barreiras e encontrar a si mesmo. Acredito que tudo está interligado, a existência é uma grande árvore onde abrigamos nosso caos interior.
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